Blockchain, satélites e IA: a origem da carne no radar

Ferramentas digitais ampliam a transparência da cadeia pecuária, garantem conformidade socioambiental e reforçam a confiança do consumidor.

Por Christiane Alves em 15 de outubro, 2025

Atualizado: 15/10/2025 - 11:24

Imagem ilustrando a rastreabilidade da carne bovina utilizando blockchain, satélites e inteligência artificial, com gado e um mapa interativo no campo.
Imagem gerada digitalmente

A rastreabilidade da carne deixou de ser apenas um diferencial e passou a ser exigência em mercados internacionais cada vez mais atentos à procedência dos alimentos. Para atender a essas demandas, a pecuária tem recorrido a um conjunto de tecnologias: brincos eletrônicos que funcionam como identidade digital dos animais, sistemas de georreferenciamento aliados a satélites, inteligência artificial aplicada à identificação de padrões e até blockchain para garantir registros imutáveis. Ao tornar visível a origem e o histórico de cada animal, essas soluções ajudam a reduzir riscos de compra de gados de áreas de desmatamento, fortalecer o cumprimento de critérios socioambientais e aproximar o setor das metas globais de sustentabilidade.

Nos últimos cinco anos, a adoção de tecnologias no campo tem crescido de modo expressivo. Segundo o Índice Agrotech GS1 Brasil 2025, a pecuária registrou um avanço de 29% em automação. O levantamento considerou diferentes etapas do ciclo, incluindo preparo e manejo do solo, além de criação e alimentação dos rebanhos.

Iniciativas que apontam o caminho

Empresas de tecnologia como a GPX têm avançado com soluções baseadas em blockchain na pecuária bovina. Esses sistemas registram dados de manejo, alimentação e práticas ambientais, com maior transparência e confiabilidade ao rastreio, conforme explica o portal Agrozil

No segmento de couro, já há aplicações concretas de blockchain: um sistema adotado por uma cadeia produtiva conseguiu rastrear 200 mil animais, combinando identificação individual, monitoramento geográfico e checagens socioambientais, segundo reportagem do Portal Agro Summit

Outras iniciativas, conduzidas por exportadores sul-americanos, mostram que a rastreabilidade vai além da inovação pontual. Em 2023, a Minerva Foods realizou o primeiro embarque de couro certificado como totalmente rastreável por uma auditoria independente (SBCert), segundo a ONG Mighty Earth. O marco mostrou como as soluções de rastreabilidade começam a se estender também aos subprodutos da pecuária.

O que já funciona no campo

Identificação individual

O ponto de partida é garantir que cada animal tenha uma “identidade única”. Isso é feito com brincos eletrônicos, chips com identificação por radiofrequência (RFID) ou códigos visuais, associados a registros digitais mantidos em banco de dados. O uso desses dispositivos permite que se vincule o animal a informações como data de nascimento, vacinação, movimentações entre propriedades e histórico produtivo.

Georreferenciamento e monitoramento via satélite

Monitoramento satelital de uma fazenda com gado bovino, destacando a rastreabilidade da carne bovina através de georreferenciamento e tecnologia de satélite.
Foto: scharfsinn86/ Adobe Stock/ Modificada com IA

Depois de identificar os animais, o próximo desafio é verificar se eles têm origem em áreas ambientalmente regulares. Para isso,  ferramentas de Sistema de Informação Geográfica (SIG) combinam dados de bases territoriais e imagens recentes de satélite para checar, através dessa integração, se houve sobreposições com áreas embargadas, desmatamento ou supressão vegetal recente, além de mudanças no uso do solo. Esses cruzamentos de dados ajudam a “mapear o risco territorial” e não apenas a origem individual do animal, que é uma forma de estender a rastreabilidade para o contexto ambiental. 

A Embrapa desenvolveu uma nova metodologia, divulgada em julho deste ano, que permite monitorar pastagens por meio de imagens de satélite e dados climáticos com precisão de até 86%, sem necessidade de visitas permanentes ao campo.

Blockchain para integridade e transparência

Jovem usando tecnologia blockchain para garantir transparência e integridade na gestão de fazenda ao lado de gados da raça Nelore ao ar livre
Imagem gerada digitalmente

A ferramenta é considerada um elemento de confiança, já que os registros distribuídos tornam muito mais difícil alterar ou fraudar dados sem detecção. No setor bovino, seu uso permite incorporar informações desde o terreno onde o animal foi criado até registros ambientais, movimentações, ocorrências sanitárias, entre outros, entre outros, conforme explica o Observatório Nacional de Blockchain. As empresas podem utilizar o blockchain para rastrear a produção de carne e couro, com protocolos que garantem que cada propriedade e cada etapa da cadeia sejam registradas de forma auditável.

Interfaces com o consumidor

Mulher jovem fazendo compra em supermercado e usando smartphone ao lado de geladeiras de produtos embalados, interfaces com o consumidor.
Foto: Tijana Simic/ Shutterstock

Uma das etapas finais da rastreabilidade é tornar parte desses dados acessíveis ao consumidor, normalmente via QR Codes ou aplicativos. Esse tipo de interface permite que o comprador verifique a trajetória do alimento em busca de produtos certificados. Essa “visibilidade” pode gerar diferencial competitivo, pois consumidores tendem a valorizar procedência, segurança sanitária, bem-estar, qualidade do produto e clareza de origem.

Tecnologias aplicadas: resultados visíveis e desafios

Foto: Minerva Foods

A aplicação dessas ferramentas gera impactos diretos na forma como o setor atende às exigências de mercado, lida com riscos sanitários e constrói valor perante o consumidor. A rastreabilidade da carne não é mais apenas um diferencial competitivo, mas virou requisito para acessar mercados internacionais. A União Europeia, por exemplo, estabeleceu regras mais rígidas para comprovar que fornecedores não estão ligados a áreas de desmatamento, o que pressiona o Brasil a avançar em sistemas digitais de identificação individual. O Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB) prevê o início da identificação individual entre 2027 e 2029, com previsão de atingir todo o rebanho até 2032. Em alguns estados já há iniciativas locais: o Tocantins, por exemplo, implantou em 2025 seu sistema estadual de identificação individual e rastreabilidade, integrando-se ao plano nacional.

Além de atender exigências externas, o uso da tecnologia na rastreabilidade ajuda a reduzir riscos internos. Em situações de contaminação, por exemplo, a identificação individual permite localizar rapidamente os lotes afetados e agilizar o recall. Também agrega valor ao produto final: carnes e subprodutos rastreados ganham apelo premium, ampliam a confiança do consumidor, mantêm a competitividade no comércio global e melhoram a percepção de sustentabilidade da pecuária nacional, segundo especialistas ouvidos pela Forbes Brasil

O avanço, no entanto, ainda enfrenta barreiras. O custo dos dispositivos e sistemas pesa para pequenos e médios produtores, enquanto a conectividade em áreas rurais continua limitada. Há também resistência cultural à digitalização, além da dificuldade de integrar diferentes plataformas. Por fim, o elo dos fornecedores indiretos segue como o ponto mais crítico, com a dificuldade em garantir que todos os elos da cadeia adotem padrões uniformes de rastreabilidade, conforme mostrou estudo da WWF Brasil

O que esperar nos próximos anos

A expectativa é que a tecnologia da rastreabilidade se torne mais integrada e sofisticada. Modelos de blockchain interoperável vão permitir que diferentes cadeias regionais e setoriais “conversem” entre si com segurança. 

A visão computacional e a biometria por inteligência artificial devem avançar na identificação de animais por imagens da pelagem, do corpo ou do focinho, reduzindo a dependência de dispositivos físicos, conforme mostrou reportagem do Agro Estadão

Sensores de IoT também devem ganhar espaço, através de colares com GPS e equipamentos ambientais para monitorar em tempo real a saúde e a movimentação dos rebanhos. 

Outro ponto central será a integração entre sistemas públicos e privados, garantindo que dados de governos, indústrias e certificadoras circulem de forma segura. O avanço dessa aplicação, porém, ainda enfrenta obstáculos pelos pequenos e médios pecuaristas. Segundo relatório do Insper Agro Global, esse público é pouco contemplado por bancos privados de investimento, o que limita o acesso a crédito e financiamento para tecnologias digitais. Além disso, muitos produtores carecem de assistência técnica e de sistemas de informação que apoiem sua adequação às exigências de rastreio. Para reduzir essas barreiras, a criação de políticas públicas específicas é fundamental, como linhas de crédito com taxas reduzidas e incentivos fiscais para projetos que promovam rastreabilidade completa. Sem esse tipo de apoio, existe o risco de que os menores fiquem à margem do processo, ampliando desigualdades dentro da cadeia produtiva.

Fontes de referência:


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