Em todo o Brasil, o churrasco gaúcho é sinônimo de qualidade. A fama atravessa fronteiras e até virou atributo para marcas de churrascarias pelo País afora. Mas essa reputação não é por acaso. Ela começa ainda no campo, com base em segurança e inovação, e tem até registro: desde 2006, a Carne do Pampa Gaúcho é a única indicação geográfica de carne bovina em todo o continente americano e uma das três primeiras Indicação de Procedência (IG200501) brasileiras de qualquer setor, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), colocando o Rio Grande do Sul como pioneiro na valorização de produtos de origem controlada. O selo, concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a produtos ou serviços cuja reputação está diretamente ligada ao seu local de origem, reconhece oficialmente que as características do produto — como sabor, maciez e sistema de criação — estão associadas ao território da Campanha gaúcha, onde a pecuária extensiva em pastagens naturais é tradicional há séculos. Esse reconhecimento fortalece a reputação da carne gaúcha em mercados internos e externos, funcionando como um diferencial competitivo semelhante ao que acontece com vinhos de regiões como Bordeaux, na França, ou o presunto de Parma, na Itália.
Esse prestígio ganhou ainda mais força em maio de 2025, quando o Brasil conquistou o status de país livre de febre aftosa sem vacinação, concedido pela Organização Mundial de Saúde Animal (WOAH/OMSA) durante assembleia anual em Paris. O reconhecimento abriu caminho para acelerar negociações com mercados exigentes, como o Japão. Pela sua trajetória sanitária consolidada, a região Sul tem sido priorizada nas negociações, segundo matéria publicada na Reuters, com foco em Rio Grande do Sul, além de Paraná e Santa Catarina.
Parte desse processo, entre 9 e 13 de junho, uma missão do Ministério da Agricultura, Florestas e Pesca do Japão (MAFF) auditou a estrutura do Serviço Veterinário Oficial (SVO) no Brasil. Em Santa Catarina, os auditores visitaram a Unidade Veterinária Local (UVL) em Biguaçu, referência de controle que já garante exportações de carne suína ao Japão. No Paraná, inspecionaram unidades do SVO em Cascavel e a sede da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (ADAPAR). No Rio Grande do Sul, acompanharam as atividades do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), vinculado à Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), em Uruguaiana, e conheceram o Programa Sentinela, iniciativa da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi-RS) que fortalece a vigilância ativa nas fronteiras e monitora potenciais riscos sanitários. A agenda incluiu ainda a apresentação de projetos-piloto de rastreabilidade bovina lançados durante a Expointer – maior feira agropecuária a céu aberto da América Latina.
A feira também foi palco de outro anúncio de peso: a entrada da Minerva Foods, uma das maiores exportadoras de carne bovina da América Latina, neste mercado. A companhia apresentou avanços em rastreabilidade, bem-estar animal e certificações de baixo carbono, alinhando a pecuária gaúcha às tendências globais de consumo responsável. “Em 2024, demos um passo importante ao adquirir as novas plantas industriais em Alegrete, Bagé e São Gabriel, consolidando a nossa presença no Rio Grande do Sul, estado com tradição centenária na pecuária e que reúne condições ideais para a produção de carne de alta qualidade, ao aliar clima ameno, genética consolidada, manejo eficiente e pecuaristas profundamente conectados à terra”, afirmou o diretor de compra de gado Latam da Minerva Foods, Fabiano Ribeiro Tito Rosa.
Segundo ele, “a chegada da Minerva Foods ao mercado gaúcho representa não apenas um movimento estratégico de expansão, mas também uma oportunidade de fortalecer parcerias com produtores locais e valorizar ainda mais a carne bovina sulista. O Rio Grande do Sul tem papel histórico e relevante na construção da imagem da carne premium brasileira, e nossa presença no estado é também um reconhecimento dessa vocação.”Em setembro deste ano, as unidades de Bagé e Alegrete foram habilitadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) a exportar carne bovina para a Indonésia.
Qualidade que vem do DNA

A genética é outro diferencial. Como explica Tito, o estado é reconhecido pela forte produção das raças taurinas, que são mais utilizadas na produção premium. Para se ter uma ideia da importância deste mercado, somente no primeiro semestre de 2025, a exportação de Carne Angus Certificada alcançou um novo recorde, com um aumento de 98,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. No total, foram exportadas 2.648 toneladas. Israel se destacou como o principal comprador, responsável por 35% das vendas, superando a China, que ficou com 31% dos embarques, de acordo com o relatório divulgado pela Associação Brasileira de Angus e Ultrablack.
Berço das raças Hereford e Braford, o Rio Grande do Sul lidera programas de melhoramento como o PampaPlus. Na Expointer de 2025, a Embrapa Pecuária Sul e a Associação Brasileira de Hereford e Braford (ABHB), em parceria com a BioData Ciência de Dados, lançaram o Índice Real Carcaça (IRC), capaz de prever touros com maior potencial de gerar descendentes de carne premium. A tecnologia mede marmoreio, acabamento e rendimento de cortes nobres, atendendo às bonificações da indústria frigorífica e ampliando a rentabilidade em toda a cadeia.
A força do setor também se reflete na economia. O agronegócio responde por cerca de 40% do PIB do Rio Grande do Sul em 2025, segundo a Radiografia da Agropecuária Gaúcha 2025. Em 2024, o PIB estadual cresceu 4,9%, puxado sobretudo pela pecuária extensiva nas pastagens naturais da Campanha, modelo valorizado por baixo uso de insumos e bem-estar animal.
O desafio, agora, é alinhar, cada vez mais, tradição e inovação à agenda de sustentabilidade. O Plano ABC+ prevê no Rio Grande do Sul a expansão da agricultura de baixo carbono para 4,6 milhões de hectares até 2030, incluindo a recuperação de 1,43 milhão de hectares de pastagens e a implantação de 1 milhão de hectares em sistemas integrados. Durante a 47ª Expointer, realizada no ano passado, o coordenador estadual do ABC+RS, Jackson Brilhante, mostrou quais as metas combinadas pelo Comitê Gestor Estadual do Plano, a partir da Política de Descarbonização e Sustentabilidade sancionada em 2023 pelo Governo do Estado:
- Ampliar 600 mil hectares com sistema de plantio direto;
- Um milhão de hectares na utilização de bioinsumos;
- Ter 200 mil bovinos em sistema de terminação intensiva. Em dezembro de 2024 a expectativa anunciada é chegar a 209 mil.;
- Ampliar em 322 mil hectares a área de florestas plantadas;
- Aumentar em 216 mil hectares a área irrigada (55% da meta havia sido atingida, segundo informações veiculadas em dezembro de 2024 no Canal do Boi);
- Chegar a 11,8 milhões de metros cúbicos de manejo de resíduos animais.
“Em dois anos, tivemos um aumento de 80 mil hectares de área irrigada, o que corresponde a 40% da meta”, disse ele, como mostra matéria publicada no portal especializado Agrolink. Além disso, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul e Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural (Emater/RS-Ascar), mais de 80 mil produtores foram alcançados por ações e capacitações ligadas ao programa.
Em encontro com o pesquisador Martial Bernoux, representante do Escritório de Mudanças Climáticas, Biodiversidade e Meio Ambiente (OCB) da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em junho deste ano, a titular da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann, detalhou as boas práticas implementadas, destacando o desenvolvimento de um inventário de emissões de gases de efeito estufa e estudos específicos para o bioma Pampa.
Entre os efeitos práticos, já se observam reduções próximas de 50% nas emissões de metano em áreas com rotação de culturas e ganhos significativos na pecuária em propriedades que adotaram manejo de carga animal e altura de pasto. Em matéria publicada no site oficial do estado, ela afirma que “as evidências científicas não apenas validam as práticas sustentáveis no campo, como também contribuem para o desenvolvimento de um banco de dados do Estado. Essas propostas também serão levadas à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas [COP30], promovendo a agricultura sustentável – que assegura, ao mesmo tempo, produtividade, segurança alimentar e resiliência climática”.
Com reconhecimento sanitário internacional, genética de excelência, pioneirismo em certificações e a força de parcerias como a da Minerva Foods, a carne gaúcha se projeta como candidata natural a atender mercados cada vez mais seletivos. Uma trajetória em que tradição e inovação seguem lado a lado, reforçando a base que faz do churrasco gaúcho um símbolo de qualidade no Brasil e no mundo.
Fontes de referência:
- Brazil, Japan beef talks focus on smaller Brazilian states, upsetting industry
- Carne consciente: o que você precisa saber sobre bem-estar animal
- Em novo recorde, exportação de carne Angus Certificada cresce 98,6% no primeiro semestre de 2025
- Estudo aponta que agronegócio é responsável por cerca de 40% do PIB estadual
- Expointer
- FICHA TÉCNICA DE REGISTRO DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
- Governo apresenta ações pelo clima à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
- Meta de irrigação do Plano ABC+RS já chega a mais de 50% a seis anos do prazo final
- O que define um churrasco perfeito?
- Plano ABC+ apresenta ações promovidas no RS durante a Expointer
- Plano ABC+ apresenta ações promovidas no RS durante a Expointer
- Plano ABC+RS
- Tecnologia é capaz de prever rebanhos bovinos com carne de alta qualidade