Cinco domínios: a ciência do bem-estar animal na prática

Como a ciência evoluiu das cinco liberdades para um modelo que guia as boas práticas na pecuária e na indústria.

Por Roberto Francellino em 15 de dezembro, 2025

Atualizado: 11/12/2025 - 15:31

Vacas felizes e saudáveis descansando em um campo verde cercado por árvores, promovendo o bem-estar animal e a preservação da natureza.

O que é, de fato, bem-estar animal? Para a ciência moderna, a resposta vai muito além da ausência de sofrimento ou do cumprimento de normas básicas. O conceito atual, consolidado no modelo dos cinco domínios, é uma ferramenta de avaliação que mede a qualidade de vida de um animal considerando tanto seu estado físico, quanto mental.

Este modelo é adotado por líderes da indústria de alimentos para desenhar, gerenciar e auditar suas operações. Na Minerva Foods, por exemplo, a Política Global de Bem-estar Animal e o Programa de Bem-estar Animal são norteados pelos princípios dos cinco domínios, utilizando-os como uma ferramenta de avaliação e gerenciamento para uma visão integrada sobre o processo.

Mas essa abordagem nem sempre foi o padrão. A jornada científica até os cinco domínios levou décadas, saindo de um campo ético para uma disciplina científica e mensurável. Para entender como o setor opera hoje, é preciso considerar como o conceito de cuidado evoluiu.

Das liberdades aos domínios

Historicamente, o debate sobre o bem-estar de animais de produção foi formalizado no Reino Unido pelo Relatório Brambell, em 1965. Este documento deu origem ao primeiro padrão globalmente reconhecido: as “cinco liberdades”. Esse modelo pioneiro estabelecia um conjunto de ideais que os animais deveriam ser:

  1. Livres de fome e sede;
  2. Livres de desconforto;
  3. Livres de dor, lesão e doença;
  4. Livres para expressar comportamentos normais;
  5. Livres de medo e estresse.

Embora fundamental para colocar o tema na agenda, o modelo das cinco liberdades começou a ser questionado pela própria ciência. Sua principal limitação é que ele se baseia em absolutos e foca quase exclusivamente em evitar experiências negativas.

Por exemplo, a liberdade da fome é biologicamente inadequada. Um leve estado de fome é um motivador que impulsiona o comportamento de busca por alimento, que é, em si, uma experiência gratificante para o animal. O modelo também não oferecia um caminho claro para medir ou promover experiências positivas, como conforto, saciedade ou prazer.

Para corrigir essas lacunas, o Professor David Mellor e colegas desenvolveram, a partir de 1994, o modelo dos cinco domínios, baseado em avanços da neurociência, etologia (estudo do comportamento) e fisiologia.

Os 4+1: como o modelo funciona?

O modelo dos cinco domínios entende que não se pode perguntar a um animal como ele se sente. Portanto, ele usa quatro domínios físicos e funcionais observáveis e mensuráveis, para permitir uma inferência baseada em evidências sobre o quinto e mais importante domínio: o estado mental. Os quatro primeiros domínios são:

  1. Nutrição e hidratação
  2. Ambiente físico
  3. Saúde e integridade física
  4. Comportamento

A avaliação desses quatro pilares permite gerenciar o output final:

  5. Sentimentos (ou estados afetivos)

Assim, o modelo não pergunta “o animal está livre de fome?” (um absoluto), mas sim “qual é o balanço hídrico e nutricional do animal e como isso impacta seu estado mental?”. O objetivo é minimizar os estados negativos  – como sede, dor ou medo – e, ativamente, promover estados positivos –  como saciedade, conforto e vigor.

A prática na cadeia produtiva

Quando uma empresa adota os cinco domínios, ela se compromete a traduzir essa teoria científica em ações práticas, indicadores de desempenho e investimentos auditáveis. Veja como cada domínio se materializa na cadeia da carne.

1. Nutrição e hidratação

Insetos e plantas em um ambiente natural, destacando a importância do bem-estar animal para a preservação da fauna e flora.
Foto: Minerva Foods

Este domínio avalia o impacto da ingestão de água e alimentos. O estado ideal não é apenas a ausência de sede, mas a “saciedade e o prazer em se alimentar”. Na prática, na fase em que a empresa tem controle operacional direto, como nos currais de espera pré-abate, os animais estão em um período necessário de jejum. O foco, portanto, se volta para a hidratação. Nesse caso, adota-se o monitoramento rigoroso e diário dos bebedouros, garantindo limpeza e capacidade de acesso para todos. E para o quesito alimentação, se tem um controle criterioso sobre as horas de jejum máximas, para evitar o estresse ao animal.

2. Ambiente físico

Aqui, avalia-se como o ambiente impacta o animal, incluindo conforto térmico, piso, espaço e segurança. O objetivo é um “ambiente físico confortável e agradável”. Nesse sentido, a engenharia de baixo estresse é fundamental. Isso inclui pisos antiderrapantes em caminhões e rampas. Estas, por sua vez, também devem ser livres de inclinações abruptas. Além disso, inclui currais desenhados sem cantos vivos ou pontas que possam causar ferimentos. A densidade nos currais de espera também deve ser controlada para que todos os animais consigam deitar.

O ambiente exige manutenção contínua. O projeto Trajeto do Boi, da Minerva Foods, é um sistema de diagnóstico e gerenciamento que audita rotineiramente toda a infraestrutura. Caso um desvio – como um portão desalinhado, por exemplo – seja identificado, a política é de interdição imediata do local até a correção.

A gestão deste domínio utiliza pesquisa de ponta. Um estudo detalhado no Relatório de Bem-Estar Animal, da Minerva, analisou o impacto do sombreamento em 636 localidades. Usando o Comprehensive Climate Index (CCI), o estudo quantificou que, em regiões de carga anual extrema, o sombreamento eficaz pode reduzir o tempo anual em desconforto incapacitante de 952 horas para apenas 148 horas por animal.

3. Saúde e integridade física

Vacas pastando em campo verde, representando o bem-estar animal e a importância do cuidado com os animais de fazenda.
Foto: Minerva Foods

Este domínio foca na saúde funcional do animal, com ênfase na prevenção de doenças e lesões. Nesse sentido, a Política de Uso de Antibióticos da Minerva Foods articula que boas práticas de bem-estar reduzem a necessidade de antimicrobianos. O framework proíbe o uso de antibióticos para melhorar a eficiência, direcionando o uso apenas para fins clínicos.

A execução desse domínio é garantida por profissionais dedicados à área de bem-estar animal, como zootecnistas, médicos veterinários ou biólogos em cada unidade operacional.

A eficácia da gestão de saúde é validada por indicadores no ponto de abate. Dados globais de bovinos da Minerva Foods mostram que falhas graves de saúde são eventos estatisticamente raros: 0,03% de animais identificados em más condições de saúde; 0,004% de animais mortos na chegada; e 0,002% de mortalidade nos currais de espera da indústria.

4. Comportamento

Bovinos de diferentes cores em um campo verde exuberante sob céu nublado, simbolizando bem-estar animal e cuidados com a sustentabilidade na agropecuária.
Foto: Minerva Foods

Este domínio avalia as oportunidades que o animal tem para expressar comportamentos naturais e gratificantes, como explorar, socializar, pastar ou ruminar em grupo. A prática mais impactante deste domínio é o sistema de criação na fazenda. Dados da Minerva Foods indicam que 71% dos bovinos adquiridos são criados com acesso ao pasto. Este sistema permite o repertório comportamental completo da espécie, algo que é restrito em confinamentos intensivos.

Nos pontos de contato direto, como o desembarque, o foco é o manejo de baixo estresse, baseado na etologia. A Minerva, por exemplo, garante que 100% dos bovinos sejam mantidos em grupos, respeitando seu comportamento gregário – tendência de indivíduos de uma mesma espécie viverem em grupos. Além disso, padroniza o uso de ferramentas como bandeiras, que utilizam estímulos visuais para encorajar o movimento, em oposição a ferramentas baseadas em dor ou medo.

5. Sentimentos (ou estado afetivo)

Este é o domínio central e o objetivo final. Ele representa a experiência mental subjetiva do animal, resultante do balanço das experiências nos quatro domínios anteriores. Ele não pode ser medido diretamente, mas sim inferido.

Para fazer essa inferência, a indústria monitora indicadores proxy validados pela ciência, que são comportamentos que indicam estados afetivos negativos agudos – medo, pânico e dor, por exemplo. O objetivo é manter esses indicadores baixos como evidência de que a gestão dos outros domínios é eficaz. Na Minerva, os dados medidos em 2024 mostram 0,86% de vocalização (indicador de medo ou dor) e 0,001% de comportamentos agonísticos – de briga (indicador de problema hierárquico). 

Além dos domínios, o welfare footprint

No entanto, existem críticas ao modelo dos cinco domínios. A mais recente é que ele não oferece um método claro de agregação — ou seja, como somar cientificamente o impacto de uma boa nutrição (domínio 1) com um ambiente ruim (domínio 2) para obter uma pontuação final para o domínio 5?

A resposta da ciência a esta pergunta é o welfare footprint framework (WFF). Esta metodologia, desenvolvida pelos cientistas Wladimir J. Alonso e Cynthia Schuck-Paim,foi projetada especificamente para quantificar o bem-estar animal de forma objetiva.

O WFF funciona como a evolução dos cinco domínios: ele mede o tempo que os animais passam em diferentes estados afetivos, usando ferramentas como o pain-track e o pleasure-track, que medem, respectivamente, a intensidade e a duração da dor e do prazer. O resultado é uma métrica de dor e prazer cumulativos.

A Minerva Foods participa diretamente nesta fronteira científica. A empresa tem uma parceria com o Center for Welfare Metrics para aplicar esta metodologia à sua cadeia de suprimentos.

Fontes de referência:


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