O hábito de tomar um iogurte ou um leite fermentado para cuidar da saúde intestinal é tão comum que poucos param para pensar no mecanismo por trás desse benefício: microrganismos vivos que equilibram a flora intestinal. Agora, essa lógica — familiar ao nosso dia a dia — está migrando para um cenário diferente: a pecuária. A ciência começa a aplicar, de forma intencional e estratégica, probióticos e prebióticos à dieta de bovinos, não apenas para melhorar a saúde dos animais, mas para atacar um desafio climático urgente: a emissão de metano (CH₄), um dos gases de efeito estufa (GEE) mais potentes em termos de poder calorífico. Embora com tempo de duração menor na atmosfera, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), seu potencial de aquecimento global é até 25 vezes maior que o dióxido de carbono (CO₂) em um horizonte de 100 anos.
Assim como praticamente todas as atividades humanas geram GEE, a pecuária não é exceção. No caso dos ruminantes, o metano (CH₄) é liberado, principalmente, durante a fermentação no rúmen – uma das quatro partes do intestino dos gados – e expelido por eructação (conhecido popularmente como arroto). Embora essas emissões façam parte de um ciclo natural de carbono, no qual o metano liberado na digestão dos animais se decompõe na atmosfera, sendo convertido novamente em dióxido de carbono (CO₂) e água (H₂O), que são absorvidos pela pastagem, como mostram Diana Rodgers e Robb Wolf em seu livro, integrar soluções inovadoras que aliem eficiência produtiva e sustentabilidade é essencial para uma pecuária mais sustentável.
Como agem probióticos e prebióticos nos bovinos

Na nutrição animal, os probióticos são microrganismos vivos — como bactérias (Bacillus cereus, Enterococcus faecium, Lactobacillus acidophilus, Ruminobacter amylophilum, Ruminobacter succinogenes, Succinovibrio dextrinosolvens) e leveduras (Saccharomyces cerevisiae) — que já compõem a flora intestinal dos bovinos, mas em concentrações limitadas. Os prebióticos, por sua vez, são fibras não digeríveis que servem de alimento para essas bactérias benéficas, estimulando sua multiplicação e atividade.
A ação conjunta dos dois modula a fermentação ruminal, melhorando a conversão alimentar e inibindo o crescimento de arqueias metanogênicas – microrganismos pertencentes a um grupo diferente de bactérias e eucariotos (ao domínio Archaea) — especializadas em produzir metano como subproduto do seu metabolismo. Segundo o artigo Probióticos e prebióticos para produção de bovinos: quando e como usar, publicado em 2020 na revista técnica NutriNews, os benefícios vão além da mitigação de GEE: melhor aproveitamento de nutrientes, aumento da produção e qualidade do leite, maior controle do pH ruminal em dietas ricas em grãos e até melhoria no aspecto da pelagem.
Evidências e casos reais
Os resultados de pesquisas de campo são expressivos. Segundo a matéria “Probióticos podem reduzir metano dos ruminantes”, de Leonardo Gottems, publicada pelo Portal Agrolink, ensaios da Universidade da Califórnia, em Davis, testaram três cepas de microrganismos não transgênicos da empresa Locus Fermentation Solutions. A combinação resultou em redução de 68% nas emissões de metano; uma cepa isolada alcançou 78%. Para o diretor da divisão de Nutrição Animal da Locu, Keith Heidecorn, os dados “mostram um caminho promissor para reduzir significativamente o impacto climático da pecuária sem prejuízo à produtividade”.
No Brasil, a startup YLive, uma empresa de biotecnologia incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveu probióticos segmentados especificamente para bovinos leiteiros por meio de um projeto apoiado pelo programa de Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (PIPE‑FAPESP). Em testes conduzidos em fazendas experimentais, a suplementação resultou em um aumento de produção de leite de 5% após 45 dias, desempenho comparável ao de antibióticos como monensina sódica e virginiamicina, porém com a vantagem de ser natural e não deixar resíduos no leite ou na carne do animal.
No Havaí, a Parker Ranch testou a adição da alga vermelha limu kohu (produto Seagraze, da Symbrosia) na dieta de bovinos, alcançando uma redução média de 77% nas emissões em seis meses. O sucesso garantiu mais de US$ 2,2 milhões em financiamento federal para ampliar a produção, como informou a matéria assinada por Thomas Heaton no Honolulu Civil Beat, distribuída pela Associated Press.
Já na Europa e América do Norte, em comunicado à imprensa, a multinacional holandesa de DSM – especializada em biotecnologia – compartilhou resultados de ensaios conduzidos na Universidade Católica do Sagrado Coração (CERZOO), na Itália, com o aditivo Bovaer (3-Nitrooxypropanol), que obteve reduções de 44% a 50% nas emissões entéricas de metano em vacas leiteiras, com manutenção da produção de leite, da sua composição e da saúde animal.
Um mercado em expansão
O uso de probióticos e prebióticos para alimentação animal acompanha um mercado em franco crescimento. Estimado em US$ 5,18 bilhões em 2023, o setor deve alcançar entre US$ 8,27 e US$ 9,18 bilhões até 2030, segundo Markets and Markets e Grand View Research, respectivamente. Dentro do mercado global de aditivos para ração animal, que engloba todas as espécies e categorias de produtos — de promotores de crescimento a conservantes, enzimas e probióticos —, foram movimentados US$ 46,8 bilhões em 2024, valor que deve chegar a US$ 79,9 bilhões até 2034, segundo a News Market. Os probióticos já representam 36,1% desse total, configurando o maior nicho individual.
Dentro desse universo mais amplo, existe um segmento específico voltado à redução de metano em ruminantes, que reúne aditivos e tecnologias com efeito comprovado sobre a metanogênese (processo biológico que ocorre durante a digestão de ruminantes), como aditivos alimentares, probióticos e algas vermelhas. Esse nicho, mais restrito, deve crescer de US$ 2,9 bilhões em 2025 para US$ 5,2 bilhões até 2034, acompanhando a demanda por soluções de baixo carbono na pecuária, de acordo com a Global Market Insights.
Ao trazer para o cocho a lógica do que já acontece na mesa do consumidor, a ciência abre caminho para uma pecuária mais eficiente e com menor pegada de carbono, mostrando que avanços na nutrição animal podem desempenhar um papel relevante na transição para sistemas alimentares mais sustentáveis a partir da convergência entre ciência, mercado e prática produtiva.