Produção de gado em ambientes adversos mostra força e resiliência

Do Deserto do Saara ao Ártico, produção garante emprego e renda para comunidades.

Por Ana Cecília Panizza em 26 de agosto, 2025

Atualizado: 22/09/2025 - 12:47

Foto: Paul Looyen/ Shutterstock

A produção de gado é uma atividade econômica fundamental para comunidades de todo o mundo, principalmente as vulneráveis. Segundo o estudo Moving Towards Sustainability: The Livestock Sector and the World Bank, do World Bank Group, cerca de 500 milhões de produtores no mundo dependem da criação de bois para terem alimentação, renda e rede de segurança em momentos de necessidade. Isso ganha ainda mais importância para pecuaristas que vivem em ambientes desafiadores, como os muito frios, os montanhosos e os áridos. Em lugares de condições adversas como esses, a produção de gado pode ser a única maneira de converter, de forma sustentável, os recursos naturais locais não apenas em alimento, mas em obtenção de renda.  

Gado é conta poupança na região mais fria do mundo

Foto: Tatiana Gasich/ Shutterstock

Um exemplo marcante de produção de gado em ambientes adversos está na região mais fria do mundo, a Sibéria. Yakutia, república na região da Sibéria que faz parte da Rússia, é conhecida por suas temperaturas extremamente baixas e invernos longos e rigorosos; as temperaturas médias em janeiro podem variar de -25 °C a -50 °C, dependendo da localização. Lá é onde fica a cidade de  Yakutsk, conhecida como a mais fria do mundo, com temperaturas que podem atingir -60°C no inverno. Já a vila de Oymyakon é considerada a localidade permanentemente habitada mais fria do planeta, onde as temperaturas já chegaram a -71,2°C

Esse frio intenso dificulta a agricultura e a criação de animais na região. É a criação de gado de corte que garante a subsistência das comunidades locais. A comercialização dos animais gera renda rápida para que os pecuaristas invistam em materiais de plantio, fertilizantes ou contratação de mão de obra para atividades agrícolas. Esses benefícios podem expandir a área cultivada, aumentar os rendimentos e melhorar a produtividade. Ou seja, gados de pequeno e grandes portes funcionam como uma espécie de “conta poupança”, utilizada para adquirir insumos agrícolas, investir em outras atividades geradoras de renda ou pagar despesas, como educação, contas médicas e custos funerários. 

Apesar das dificuldades, os habitantes dessas regiões remotas sobrevivem também da agricultura. Para isso, contam com estufas aquecidas, onde cultivam legumes durante os meses mais frios. 

Adaptação e resiliência

Os bois de Yakutia são adaptados ao clima severo, de uma raça resistente, conhecida como gado yakutiano ou “Sakha Yatki”. Esses animais desenvolveram uma camada espessa de pele e pelagem que os protege do frio intenso. Também têm habilidade para encontrar comida sob a neve profunda porque raspam gelo e neve para alcançar o capim. O gado yakutiano ainda tem a capacidade de regular sua temperatura corporal e apresenta metabolismo lento, o que garante sobrevivência em condições extremamente adversas. 

A pecuária local tem outras aplicações: o esterco é usado como fertilizante natural, o que ajuda na preparação do solo e também como uma espécie de isolante térmico: o esterco de vaca é espalhado nas paredes dos estábulos para ajudar a manter o calor. Além disso, as famílias ordenham suas vacas para obter leite suficiente para consumo próprio e venda. Durante os curtos meses de verão (de julho a setembro), os produtores se dedicam à colheita de feno para garantir que seus rebanhos tenham comida suficiente para os longos invernos.

Bois no Saara 

Foto: Catay/ Shutterstock

O relatório Livestock & the environment: finding a balance, produzido pela Comissão das Comunidades Europeias, do Banco Mundial e dos governos da Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos da América, revela que, “para cerca de 100 milhões de pessoas em áreas áridas, e provavelmente um número semelhante em outras zonas, o gado em pastagem é a única fonte possível de subsistência”.

Segundo o documento,  em pastagens áridas, os sistemas tradicionais de produção de transumância – em que a criação de gado envolve o movimento sazonal de rebanhos e seus pastores entre diferentes áreas – são altamente eficientes, o que garante produção de gado em ambientes adversos, até no Deserto do Saara. A prática antiga, presente em diversas culturas e regiões do mundo, desempenha um papel importante na conservação dos ecossistemas e da biodiversidade, permitindo a adaptação às variações climáticas e à disponibilidade de recursos naturais. 

O sistema de produção transumância, aponta o relatório, é adotado por produtores no Mali (na África Ocidental), cuja maior parte é ocupada pelo Deserto do Saara. O sistema também está presente na pecuária bovina em Botsuana, no sul da África. Nesse dois locais, ainda segundo o relatório, a produção bovina é duas ou três vezes maior – e a um custo muito menor em recursos combustíveis não renováveis – do que a produção de sistemas de sedentários ou pecuária em condições climáticas semelhantes na Austrália e nos Estados Unidos.  A importância da pecuária na região é destacada no estudo Why Is Production of Animal Source Foods Important for Economic Development in Africa and Asia?, publicado na revista científica Animal Frontiers, em 2020. Segundo o documento, a produção de alimentos de origem animal contribui para o desenvolvimento econômico, gerando renda e emprego para criadores de gado e atores ao longo das cadeias de valor da pecuária. “Na África e na Ásia, a pecuária é um ativo, uma reserva de riqueza para a resiliência. A produção pecuária local aumenta a disponibilidade de alimentos de origem animal como fonte de proteínas e micronutrientes, necessários para uma população saudável”, diz um trecho do texto do documento. É a produção de gado mostrando a força e a resiliência, mesmo em ambientes adversos, seja no deserto, seja no Ártico.