A pressão internacional por carne bovina livre de passivos socioambientais tem colocado a rastreabilidade no centro da agenda da pecuária. Durante o debate “Governança na Sustentabilidade da Cadeia da Carne Bovina”, promovido pelo Insper Agro Global em parceria com o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), especialistas destacaram que exportar sem comprovação de práticas sustentáveis não é mais uma opção. Além disso, tecnologia, engajamento com produtores e programas de incentivo são considerados decisivos para manter a confiança do mercado. O encontro, realizado em agosto em São Paulo, reuniu acadêmicos, representantes da indústria e produtores rurais.
A heterogeneidade da pecuária brasileira foi apontada durante o debate como um desafio a ser superado para viabilizar políticas uniformes. Isso porque o setor abriga desde produtores altamente qualificados, até propriedades que ainda precisam se regularizar fundiária e ambientalmente. Segundo os painelistas, a nova legislação europeia contra o desmatamento (EUDR) e eventuais sanções comerciais de outros mercados reforçam a urgência de respostas coordenadas.
Indústria e rastreabilidade
A diretora de Sustentabilidade da Minerva Foods e da MyCarbon, Marta Giannichi, reforçou o papel da indústria na transição. Ela destacou que até 98% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) da pecuária vêm de fontes indiretas, especialmente a fermentação entérica do gado, classificadas como de escopo 3. Fato que ressalta o envolvimento da cadeia como um todo para superar este desafio. Ações como reduzir a idade de abate, recuperar pastagens e possível adoção de aditivos nutricionais, configuram medidas que ajudam a reduzir esse tipo de emissão.
Segundo Marta, a rastreabilidade é hoje um diferencial competitivo que define o acesso aos mercados mais exigentes. “A gente precisa demonstrar esses avanços, porque se você não demonstra, você é um player que está fora do mercado. Se eu quiser jogar esse jogo, eu preciso tornar isso estratégico dentro da companhia. E tem o jogo da rastreabilidade, que era um jogo que estava disputando espaço com a questão da emissão, mas parece que nos últimos tempos ultrapassou”, ressaltou.
A diretora ressaltou ainda que não basta cumprir regras: é preciso transformar a sustentabilidade em valor agregado. Isso significa incentivar o produtor que adota boas práticas. “A indústria vem valorizando o produtor e mostrando ao mercado que esse trabalho reduz riscos, entregando uma carne livre de questionamentos reputacionais”, afirmou.
Exportações sob pressão
O debate trouxe também a perspectiva das barreiras comerciais. A legislação europeia contra o desmatamento (EUDR) e possíveis sanções de outros países foram citadas como fatores que tornam a rastreabilidade não apenas uma exigência de nicho, mas um pré-requisito para manter mercados abertos.Nesse ponto, Marta ressaltou que o Brasil precisa mostrar que já possui tecnologia e programas de monitoramento que dão condições de atender às exigências internacionais. A confiança de compradores depende de sistemas que assegurem transparência, desde a origem do gado até a entrega final. “Porque aí você migra de um produto que é commodity puro a um produto que passa a ter um diferencial, com atributo de sustentabilidade embutido nele”, concluiu.