Uso de canetas emagrecedoras acende alerta para perda de massa magra

Estudos mostram que embora os medicamentos injetáveis para emagrecer tragam resultado rápido e eficaz para perda de peso corporal, eles também podem afetar a perda muscular.

Por Marcia Tojal em 21 de outubro, 2025

Atualizado: 23/10/2025 - 11:09

Caneta emagrecedora azul com fita métrica ao redor, instrumento popular para auxiliar na perda de peso e controle de medidas corporais.
Foto: Caroline Ruda/ Shutterstock

A obesidade é uma epidemia que representa um desafio para a saúde pública, segundo artigo científico publicado na revista sobre ciências médicas The Lancet. E a tendência é que a situação se agrave ainda mais. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade (World Obesity Atlas 2025), a expectativa é que o número total de adultos que vivem com obesidade aumente mais de 115% entre 2010 e 2030, passando de 524 milhões para 1,13 bilhão. O quadro mostra-se ainda mais preocupante porque a maioria dos países do mundo não possui planos e políticas suficientes para lidar com os crescentes níveis de obesidade, como aponta uma das principais conclusões do documento elaborado pela Federação Mundial da Obesidade.

É nesse contexto que as chamadas “canetas emagrecedoras” vêm ganhando cada vez mais espaço. Tratam-se de medicamentos injetáveis que imitam a ação do hormônio intestinal GLP-1 (e, em alguns casos, também do GIP), aumentando a saciedade e melhorando o controle glicêmico. Inicialmente desenvolvidos para o tratamento de diabetes tipo 2, esses fármacos também estão hoje entre as principais terapias aprovadas para o tratamento da obesidade.

Como as canetas emagrecedoras funcionam

Os agonistas de GLP-1 são medicamentos que imitam a ação do hormônio natural do corpo chamado GLP-1, que atua no controle do açúcar no sangue. Eles se ligam a receptores nas células — como se encaixassem em uma “fechadura” — e ativam esses receptores para produzir efeitos parecidos com os que o próprio hormônio causaria. É o caso da semaglutida.

Os agonistas duplos funcionam de forma parecida, mas agem em dois receptores diferentes ao mesmo tempo: além do GLP-1, também atuam no GIP. É o caso da tirzepatida, que age no cérebro e no trato gastrointestinal para reduzir o apetite, aumentar a saciedade e desacelerar o esvaziamento gástrico.

Embora eficazes para a perda de peso, o emagrecimento rápido promovido por esses medicamentos não se restringe à perda de gordura corporal. Parte do peso perdido também pode vir da massa magra, que é composta por músculos, ossos e órgãos.

Uma revisão bibliográfica sobre o efeito da semaglutida na massa magra em pacientes com sobrepeso ou obesidade, independentemente de terem ou não diabetes tipo 2, publicada em 2024, analisou diferentes bases de dados em busca de ensaios clínicos randomizados (ECRs) ou estudos observacionais. De seis estudos com mais de 1.500 adultos, a perda de peso se deu majoritariamente pela perda de massa gorda. No entanto, casos de reduções notáveis de massa magra acendem o alerta, com até 40% da redução total de peso, especialmente em ensaios com um número maior de pessoas.

Um subestudo feito a partir do primeiro grande ensaio clínico de fase 3 que avaliou a tirzepatida (o SURMOUNT-1) mostra que cerca de 75% do peso perdido foi de gordura e os demais 25% foi de massa magra. O trabalho, conduzido com 160 participantes acompanhados por 72 semanas com exames de DXA (raios-X de baixa potência para medir a densidade óssea e a composição corporal) mostrou que o tratamento com a caneta emagrecedora de tirzepatida reduziu em média 33,9% da massa gorda e 10,9% da massa magra em comparação com reduções de 8,2% e 2,6%, respectivamente, no grupo placebo. Ou seja, embora a maior parte da perda de peso ocorra por redução de gordura, o estudo confirma que há também perda significativa de massa magra durante o uso do medicamento, mesmo em proporção semelhante à observada em outras terapias de emagrecimento.

Os resultados justificam o alerta da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) quanto à perda muscular durante o uso de agonistas de GLP-1 como um dos principais motivos pelos quais o tratamento deve ser acompanhado por equipe multiprofissional. Perder músculo demais pode comprometer a força, mobilidade e metabolismo energético, dificultando a manutenção do peso a longo prazo e aumentando o risco de sarcopenia, que é a perda progressiva e generalizada de massa, força e desempenho do músculo esquelético, especialmente em idosos.

Como reduzir a perda de massa magra durante o uso das canetas emagrecedoras

Mulher correndo ao ar livre em uma trilha com efeito de foco na silhueta, relacionada a reduzir a perda de massa magra durante o uso de canetas.
Foto: People Images/ Shutterstock

1) Proteína suficiente e distribuída ao longo do dia para preservar a massa magra
A ingestão proteica adequada ajuda a preservar o músculo durante o emagrecimento, já que a distribuição da proteína em todas as refeições favorece a síntese proteica muscular. Segundo estudo da American Medical Directors Association, para adultos acima de 65 anos, os consensos internacionais recomendam em torno de 1 a 1,2 g de proteína por quilograma de peso corporal por dia (g/kg/dia) como base, podendo chegar a ser maior ou igual a esse valor. Quando há prática de exercícios e/ou doença, a necessidade tende a subir. 

Em artigo publicado no portal MyMinerva Foods, o coordenador da medicina do Centro Universitário São Camilo de São Paulo, Raphael Einsfeld, e o nutricionista especializado em fisiologia do exercício aplicada à clínica Marcus Quaresma explicam que, dependendo de condições clínicas específicas, a margem de ingestão proteica para adultos e pessoas idosas sedentárias pode ser flexibilizada entre 0,6 e 1,0 g/kg/dia. “Contudo, em indivíduos fisicamente ativos, particularmente aqueles que praticam exercícios de força, essas necessidades são aumentadas. Para adultos fisicamente ativos, recomenda-se uma ingestão entre 1,6 e 2,2 g/kg/dia, enquanto para pessoas idosas os valores recomendados oscilam entre 1,2 e 1,6 g/kg/dia”.

Em diretrizes da European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN) para a geriatria, a recomendação é que todas as pessoas idosas, especialmente aquelas sob risco nutricional, o consumo mínimo de 1,0 g/kg/dia seja assegurado, com ajustes individuais conforme estado clínico.

2) Treinamento de resistência (musculação)
Ensaios randomizados, publicados no New England Journal of Medicine, mostram que combinar dieta com exercícios de força, idealmente junto de aeróbicos, reduz gordura preservando massa magra e melhora a capacidade funcional, inclusive em idosos com obesidade. 

Vale ressaltar que para além dos benefícios no corpo, que geram qualidade de vida por meio da promoção de mais energia e bem-estar, se exercitar impacta positivamente na saúde mental, podendo reduzir estresse, ansiedade e depressão. Segundo publicação da Organização Pan-Americana da Saúde, um em cada quatro adultos, cerca de 1,4 bilhão de pessoas no mundo, não faz os 150 minutos semanais de atividade física de intensidade moderada recomendados pela OMS.

3) Perda de peso gradual e acompanhamento durante uso das canetas
Ajustar doses e metas, durante o uso das canetas emagrecedoras, com a equipe de saúde, checar sintomas e, quando possível, monitorar a composição corporal ajudam o profissional de saúde a orientar o paciente quanto a decisões sobre quantidade de proteína, treino e progressão do tratamento. O monitoramento pode ser feito por meio do exame de DXA ou de bioimpedância – que utiliza eletrodos nas mãos e pés do paciente para medir a resistência elétrica de diferentes tecidos do corpo, estimando a porcentagem de gordura, massa magra (músculos), água corporal total e massa óssea.

A obesidade é hoje uma epidemia global tão grave quanto a desnutrição já foi — ou ainda é em muitas partes do mundo, de acordo com artigo publicado na revista de ciências The Lancet. Ambas revelam faces distintas de um mesmo desafio: a má nutrição, seja pela falta, seja pelo excesso. Nesse cenário, as canetas emagrecedoras representam um avanço científico importante, sobretudo diante da dificuldade de controle do peso e do aumento das comorbidades associadas. Mas a discussão vai além da farmacologia. Em uma era de pressa e pressão estética, em que corpos magros e esteticamente “perfeitos” são valorizados nas redes sociais, o risco é transformar um tratamento médico em promessa de resultado instantâneo – a desejada fórmula mágica.

Por isso, o debate sobre a tirzepatida, a semaglutida e outras terapias semelhantes precisa ser feito com responsabilidade. Os estudos demonstram eficácia e segurança quando as canetas emagrecedoras são usadas sob orientação profissional, mas também apontam perdas significativas de massa magra e potenciais riscos quando o uso é indiscriminado. No fim das contas, não há atalhos seguros: o caminho mais sustentável para a saúde continua sendo o acompanhamento médico, uma alimentação equilibrada, o cuidado com o corpo e a mente — e a consciência de que o peso é uma das muitas medidas do bem-estar.

Fontes de referência:
1. Aerobic or Resistance Exercise, or Both, in Dieting Obese Older Adults
2. A systematic review of the effect of semaglutide on lean mass: insights from clinical trials
3. Body composition changes during weight reduction with tirzepatide in the SURMOUNT-1 study of adults with obesity or overweight
4. Obesity epidemic
5. Proteína para que te quero: a relação entre ingestão proteica, força e massa muscular
6. Evidence-based recommendations for optimal dietary protein intake in older people: a position paper from the PROT-AGE Study Group
7. The majority of countries in the world do not have sufficient plans and policies in place to deal with rising obesity levels, researchers at the World Obesity Federation have warned
8. Worldwide trends in underweight and obesity from 1990 to 2022: a pooled analysis of 3663 population-representative studies with 222 million children, adolescents, and adults


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