A biotecnologia tem sido uma grande aliada na pecuária como parte dos esforços para contribuir com o Compromisso Global de Metano – iniciativa lançada na 26ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), a COP26, realizada em 2021. Liderada pelos Estados Unidos e pela União Europeia, a iniciativa tem a adesão de mais de 100 países, incluindo o Brasil, que se comprometeram a reduzir as emissões deste gás no planeta em 30% até 2030.
São muitas as iniciativas. Dentre elas, pesquisas internacionais conduzidas por instituições renomadas consorciadas com produtores para criação de vacinas que prometem atuar no processo de digestão bovina, a fim de mitigar a consequente emissão de metano produzida pelo gado.
Pesquisas na Nova Zelândia, no Reino Unido e vacina nos EUA
A ArkeaBio, empresa de Boston, nos EUA, com atuação global em biociência agrícola, diz já contar com uma vacina redutora de metano, que ajudará agricultores a reduzir as emissões sem interromper suas operações. A empresa, fundada em 2022, está em fase de pesquisa e desenvolvimento, mas os testes iniciais com o protótipo da vacina mostraram uma redução de cerca de 13% a 15% nas emissões de metano em um período de 105 dias. No entanto, o CEO da empresa, Colin South, afirmou que a eficácia e a duração dos efeitos ainda não são suficientes para um produto comercial. A expectativa da empresa é que uma solução segura e escalável, que atenda à crescente demanda mundial por laticínios e carne bovina, enquanto reduz emissões, esteja totalmente pronta para o mercado entre 2027 e 2030. A vacina atua contra micróbios produtores de metano no rúmen da vaca, ativando uma resposta imunológica natural, sem interromper a digestão do animal.
Na Nova Zelândia, uma das grandes iniciativas para criação de uma vacina contra o gás metano é fruto de um consórcio entre a Fonterra, cooperativa multinacional de laticínios daquele país, Beef and Lamb New Zealand, DairyNZ, Deer Industry NZ, AgResearch, Fertilizer Association, Landcorp e PGG Wrightson Seeds. Em matéria publicada no Portal MilkPoint, canal de informações sobre o setor leiteiro no Brasil, o presidente do Consórcio de Pesquisa de Gases de Efeito Estufa Pastoral, o professor Jeremy Hill, diz que esta vacina poderá ser “uma grande virada de jogo para as emissões de animais” em todo o mundo. O texto do MilkPoint se baseia em matéria do site de notícias neozelandês Stuff. A pesquisa sobre a vacina envolveu investimentos entre R$ 13,6 e R$ 17,2 milhões por ano.
Outra frente de pesquisa está sendo liderada pelo The Pirbright Institute e o Royal Veterinary College (RVC), ambos do Reino Unido, e pelo AgResearch, um laboratório de inovação agrícola da Nova Zelândia. Segundo matéria veiculada no site G1 Agro, o Bezos Earth Fund, instituto do bilionário Jeff Bezos, está investindo US$ 9,4 milhões (R$ 51 milhões) na criação de uma vacina para reduzir as emissões de metano geradas pelo arroto e gases produzidos durante o processo de digestão dos bovinos. A vacina também busca induzir a produção de anticorpos que impeçam a ação de bactérias responsáveis por gerar o metano, dentro do estômago do boi. “O atrativo da vacina é que os produtores já conhecem os benefícios da vacinação em geral para a saúde animal e há infraestrutura adequada nas fazendas para recebê-la”, afirmou o diretor de pesquisa do Instituto Pirbright, John Hammond.
No Brasil, a vacina também é vista como uma das soluções viáveis para combater a emissão de metano, como evidenciou o estudo Emissões de metano na pecuária: conceitos, métodos de avaliação e estratégias de mitigação, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite, trazendo referências do projeto RumenGases Brasil, desenvolvido em parceria com outras 17 instituições de pesquisa, que mirava o estudo de estratégias para mitigação das emissões por ruminantes. Iniciado em 2011 e concluído em 2015, o projeto teve como um de seus frutos o estabelecimento do Complexo Multiusuário de Bioeficiência e Sustentabilidade da Pecuária da Embrapa Gado de Leite, localizado em Coronel Pacheco/MG, que tem como objetivo principal padronizar metodologias e gerar dados para avaliar as emissões de metano entérico de ruminantes no País.
Segundo o documento, “a vacinação contra metanogênicas ruminais tem o potencial de reduzir emissões de metano por meio do decréscimo desses microrganismos no rúmen. É provável que tenha bom custo-benefício e que seja uma das poucas opções práticas de mitigação para animais em pastejo”, dizia o texto já em 2011. Em geral, essa é a proposta das vacinas pesquisadas: estimular o sistema imunológico dos animais a produzir anticorpos que atuem contra os responsáveis pela produção de metano no rúmen – um dos quatro compartimentos do estômago dos ruminantes, que tem uma configuração complexa.
Metano, um dos gases de efeito estufa

Em um relatório de 2023, o Observatório do Clima, baseado em estudos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), menciona que “os sistemas alimentares respondem por 21% a 37% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE)”, desde a produção até o descarte.
Entre esses gases, o metano (CH4) é um dos principais em termos de quantidade total na atmosfera, ficando atrás apenas do dióxido de carbono (CO2). Embora permaneça na atmosfera por menos tempo que o CO2 (em média 12 anos, contra centenas de anos do dióxido de carbono), sua capacidade de reter calor é cerca de 25 vezes maior em um período de 100 anos. A fermentação entérica, em particular, contribui com cerca de 27% das emissões globais de metano oriundas das atividades humanas, ou seja, antropogênicas, segundo a American Society for Microbiology, com base em dados de 2020 da U.S. EPA e do IPCC. No Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, 75% do metano emitido em 2023 tiveram como origem o arroto e os gases do boi.
Contudo, como mostra Diana Rodgers e Robb Wolf no livro “A Carne Nossa de Cada dia: Entenda Como o Veganismo Mentiu Sobre os Malefícios da Carne e Descubra Como ela é boa Para Você e Para o Planeta”, as emissões de metano dos bovinos fazem parte de um ciclo natural de carbono, no qual o metano liberado na digestão dos animais se decompõe na atmosfera, sendo convertido novamente em dióxido de carbono (CO₂) e água (H₂O). Esse CO₂ é então absorvido pelas plantas durante o processo de fotossíntese, que servem de alimento para os bovinos, mantendo o carbono em constante circulação, sem aumentar sua concentração total na atmosfera. Esse processo contrasta com as emissões de carbono originadas da queima de combustíveis fósseis, por exemplo, que libera carbono armazenado há milhões de anos no subsolo, adicionando permanentemente gases de efeito estufa à atmosfera.