Diante de tarifaço, setor pecuário aposta em diversificação

Esta é a principal solução apresentada por especialistas para que o mercado reaja às tarifas impostas pelo presidente americano a produtos brasileiros.

Por Carla Zacconi em 11 de setembro, 2025

Atualizado: 22/09/2025 - 12:37

Um navio cargueiro no porto com várias caixas de containers, simbolizando o aumento das exportações e diversificação do setor pecuário brasileiro diante de tarifaço.
Foto: Kalyakan/ Adobe Stock

Desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifas de 50% sobre as exportações de produtos brasileiros ao País, o setor pecuário vem sendo desafiado a encontrar estratégias de mitigação ao impacto gerado. A principal delas é a diversificação, ou seja, buscar mercados alternativos ao norte-americano para exportar a carne produzida.

Fernando Henrique Iglesias, analista do Safras & Mercados, afirma, em reportagem publicada no site G1 Agro, que os frigoríficos vão precisar redirecionar o produto para outros destinos. “A nossa sorte é que há mais de 100 países comprando carne do Brasil”, observou o analista, destacando como exemplo o Vietnã, que retomou as compras de carne bovina brasileira.

México, Egito, Canadá, Chile e Emirados Árabes também são mercados potenciais para absorver a oferta, embora haja especificidades. Enquanto os EUA importam 12% da carne bovina exportada pelo Brasil para serem usadas em hambúrgueres e outros alimentos processados, os chineses – os maiores compradores – preferem cortes dianteiros.

A competitividade da carne bovina brasileira no mercado internacional é outro fator de mitigação, como mostra matéria veiculada no site Globo Rural. Segundo o texto, a Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ANCB) avalia que o mercado internacional precisa da carne brasileira, que é comercializada com preços inferiores aos dos principais concorrentes.  

Relações com os EUA iam de vento em popa

O Brasil é o maior exportador de carne bovina para os EUA, superando concorrentes como Austrália, Nova Zelândia e Uruguai, enquanto o país norte-americano é o segundo maior mercado importador de carne brasileira, atrás apenas da China. Segundo dados da Abiec, 30% da carne bovina produzida no Brasil são exportados e 70% ficam com o mercado interno.

Antes da taxação, as relações do setor pecuário com os EUA iam de vento em popa: de janeiro a junho de 2025, os embarques brasileiros para aquele país cresceram 113% em relação ao primeiro semestre de 2024, com 181,5 mil toneladas, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC). A receita alcançou US$ 1 bilhão, um aumento de 102%. Agora, tudo é incerto. “É um grande impacto para a cadeia, que não tem uma reacomodação imediata. Claro, existem outros destinos para os produtos, mas nenhum com a mesma característica do mercado americano, com esse tipo de corte e essa demanda de volume”, argumenta o presidente da Associação, Roberto Perosa.

Segundo ele, o Brasil pode perder até US$ 1 bilhão neste ano, se a sobretaxação americana for mantida. Em matéria veiculada no site da Exame, o dirigente informou que a expectativa do setor era de que o Brasil exportasse 400 mil toneladas de carne para os EUA em 2025, quase o dobro do enviado em 2024 (220 mil toneladas), mas o volume pode ser bem inferior com o novo panorama tarifário, ameaçando “quebrar a década dourada do agro brasileiro”, como publicou a Forbes. Segundo a reportagem, baseada em números do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), US$ 81,79 bilhões foram exportados pelo agronegócio brasileiro para os EUA entre 2015 e 2024. O setor pecuário registrou o maior crescimento: de US$ 290 milhões, em 2015, para US$ 1,41 bilhão, em 2024.

Com a nova política tarifária, a estimativa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) é a de que o agronegócio deixe de exportar US$ 5,8 bilhões aos EUA neste ano. Em matéria no site Compre Rural, as estimativas de prejuízo da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), coesão pluripartidária que visa apoiar o agronegócio brasileiro, são de que haverá perdas de US$ 1,3 bilhão para o setor em 2025, mais US$ 3 bilhões por ano a partir de 2026, se o tarifaço for mantido. As projeções são baseadas em cálculos da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo). Diante deste cenário, há risco de desemprego em massa na cadeia produtiva, que abrange desde pecuaristas e frigoríficos até transportadores e fornecedores de insumos.

Tensões entre os governos poderiam ser superadas

Bandeiras do Brasil e dos Estados Unidos contra um céu azul, simbolizando a superação de tensões entre os governos e impulsionando as exportações.
Foto: Fatih Yavuz/ Shutterstock

O presidente da ACNB, Victor Paulo Silva Miranda, disse acreditar que a tensão entre os governos Lula e Trump será superada em um prazo relativamente curto, o que evitaria danos significativos às exportações e desequilíbrio de preços de boi para o pecuarista. O dirigente argumenta ainda que o rebanho bovino dos Estados Unidos está diminuindo, o que tende a elevar a demanda por carne importada por aquele país.

Para evitar um colapso no setor agropecuário, o governo brasileiro vem planejando uma série de iniciativas. Até agora, a principal aposta era um canal aberto entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário de Tesouro dos EUA, Scott Bessent, mas a reunião foi cancelada em meados de agosto, o que o dirigente atribuiu a “uma articulação da extrema-direita” para minar as negociações.

Dentre as medidas adotadas pelo governo, está a consulta formal à Organização Mundial do Comércio (OMC), sob o argumento de que o tarifaço está em desacordo com as normas internacionais, conforme noticiou O Globo. Lula também considera procurar líderes do Brics, especialmente Índia e China, para discutir a possibilidade de uma resposta conjunta ao tarifaço. O governo tenta se movimentar para que carne e café, por exemplo, fiquem fora do alcance do tarifaço, uma vez que há o precedente de uma lista com cerca de 700 produtos excluídos da sobretaxa, como aviões, celulose, suco de laranja e petróleo. 

Em outra frente de ação, o governo costura um plano de emergência para concessão de crédito para as empresas mais impactadas pela tarifa. Uma linha de crédito de R$ 30 bilhões para empresas afetadas pelo tarifaço, com financiamento condicionado à manutenção de empregos, já foi anunciada. Além disso, está previsto o aumento da compra de itens, dentre eles perecíveis como a carne, por instituições governamentais. Segundo o portal da BBC News, enquanto Lula e Trump não sentam para conversar, as tratativas sobre possíveis negociações com os EUA estão nas mãos do vice-presidente, Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.