“Consolidar o papel do Brasil como celeiro do mundo”. A frase, pronunciada pelo presidente Lula durante a cerimônia de lançamento do Plano Safra 2025/2026, faz alusão ao termo popularizado na era Getúlio Vargas para destacar o potencial agropecuário brasileiro. Atualmente, reflete a posição do País como exportador global, líder no fornecimento de diversas commodities, de alimentos a biocombustíveis. Mas ela tem ganhado novos contornos. O desafio vai além da quantidade: envolve a entrega de produtos em equilíbrio com fatores sociais e ambientais.
A realização da COP30, em novembro de 2025 em Belém/PA — a primeira conferência do clima organizada no Brasil e que reunirá mais de 190 países sob a Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas — representa uma vitrine estratégica para essa face do agro brasileiro.
Mais que uma oportunidade de exposição e posicionamento, o evento pode também ser um catalisador do desenvolvimento sustentável, capaz de atrair investimentos, ampliar apoio internacional e projetar o País como fornecedor de soluções climáticas e agroambientais. É o que destaca o documento preliminar divulgado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que enfatiza a importância de o Brasil se apresentar ao mundo com base em ciência e tecnologias inovadoras.
Entre os grandes propulsores da exportação brasileira, estão os alimentos. Em artigo publicado na Forbes, a engenheira de alimentos Helen Jacintho compactua dessa visão. Para ela, o Brasil tem condições de se firmar como provedor de soluções agroambientais e um dos maiores garantidores da segurança alimentar no planeta. “Todos os olhos do mundo estarão voltados ao Brasil. Será uma oportunidade ímpar de mostrar aos líderes e formadores de opinião mundiais o que nosso País tem realizado em sustentabilidade. Podemos nos colocar como um provedor de soluções”, afirmou a especialista, que atua em projetos de seleção genética na Brahmânia Continental e é juíza de morfologia pela Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) – entidade responsável pelo registro genealógico das raças zebuínas no País. Ela alerta, porém, que para transformar a COP30 em um marco positivo, será necessário protagonismo nas negociações. Isso implica defender um marco regulatório internacional baseado em evidências científicas e em métricas reconhecidas para a fixação de carbono no solo.
Avanços comprovados
Os dados mostram que o Brasil reúne condições naturais, tecnológicas e produtivas para liderar uma agropecuária sustentável no século XXI, como elencado a seguir.
Líder mundial no Efeito Poupa-Terra
Um exemplo é o chamado Efeito Poupa-Florestas ou Efeito Poupa-Terra. Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base em projeções da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Brasil liderava o ranking mundial desse indicador, que mede quanto território é poupado graças a ganhos de eficiência. O estudo, de 2020, mostrava que o País tinha um índice de 43,2% do território nacional poupados, muito à frente de grandes economias como Estados Unidos (8,9%) e da China (1,6%). Isso significa que a agricultura brasileira consegue produzir mais, sem ampliar a área de cultivo, reduzindo a pressão sobre florestas.
O levantamento do Insper Agro Global reforça esse cenário: se o nível tecnológico de 1997 tivesse se mantido até 2022, seriam necessários 19 milhões de hectares adicionais para alcançar o mesmo volume de produção agrícola — área equivalente ao dobro da de Portugal. Só na pecuária, a economia foi de 205,5 milhões de hectares de pastagens no período. Incluída no estudo, a Embrapa projetou que a produção de carne bovina poderá até dobrar nas próximas décadas sem necessidade de abertura de novas áreas.

Esses resultados decorrem de práticas sustentáveis já adotadas no campo, como múltiplas safras por ano, Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), Sistema de Plantio Direto – método que envolve o plantio contínuo nas fazendas; a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) – tecnologia que reduz o uso de fertilizantes sintéticos a partir da simbiose entre bactérias e plantas; e a agricultura de precisão – que utiliza GPS, sensores, drones e softwares para monitorar e gerenciar a produção com mais detalhamento e assertividade a partir do embasamento em dados.
Como ressaltou o produtor rural e zootecnista João Paulo Franco da Silveira, “as áreas de pastagem diminuíram e o rebanho aumentou. Isso significa que estamos mais eficientes. O problema não está resolvido, mas a evolução é evidente, com ganhos em peso de carcaça e eficiência alimentar nos últimos 20 anos”. Mestre doutor em nutrição animal, conservação e manejo de plantas forrageiras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) e pós-doutor pela Universidade de Uberlândia, ele explica que “a eficiência alimentar desses animais, com as questões dos aditivos e de nutrição, mudou muito… a tecnologia está aí e está sendo utilizada, mas precisamos avançar mais”, disse ele, que também é coordenador de produção animal da Confederação Nacional da Agricultura (CAN). Em sua apresentação no evento “Governança e Sustentabilidade na cadeia da carne bovina”, realizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ele ainda destacou a importância das ações conjuntas. “Nenhum desses assuntos vai avançar de maneira significativa, enquanto cada um estiver olhando só o seu elo”.
Grãos e carne carbono zero
Outro destaque está no avanço do conceito de “carne carbono zero” e “grãos carbono zero”. “As fazendas que aplicam ILPF sequestram mais carbono do que emitem… podemos falar que nessas áreas temos carne de carbono zero e grão carbono zero”, afirmou o presidente da Rede ILPF, Francisco Maturro, em matéria publicada no Agrishow Digital. É o caso, por exemplo, dos produtos da Minerva Foods certificados pela Food Chain ID – empresa de certificação, auditoria e rastreabilidade reconhecida internacionalmente como uma das principais certificadoras para produtos que querem acessar mercados exigentes como União Europeia e Estados Unidos. A empresa tem linhas de produtos com o selo carbono neutro (CO2 Neutral) e de baixa emissão (low emission), tendo um programa voltado para o relacionamento com o produtor focado na promoção de uma agropecuária sustentável, rentável e de baixa emissão de carbono – o Renove.
O papel das políticas públicas
As políticas públicas também tiveram papel central nessa transformação. Lançado em 2010, o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono) contribuiu para evitar a emissão de cerca de 170 milhões de toneladas de CO₂ equivalente entre 2010 e 2020, estimulando práticas sustentáveis, como recuperação de pastagens, fixação biológica de nitrogênio e integração lavoura-pecuária-floresta.
A partir de 2020, evoluiu para o Plano ABC+, ampliando metas e escopo até 2030. A nova versão reforça o foco em intensificação sustentável, adaptação às mudanças climáticas e ampliação da escala das tecnologias de baixo carbono. Entre as mudanças, estão o aumento da meta de recuperação de pastagens degradadas (de 15 para 30 milhões de hectares) e a incorporação de práticas ligadas à bioeconomia, à restauração florestal e ao uso de métricas mais robustas para monitorar emissões e remoções de carbono.
Como explicou o coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Bastos, em participação no evento realizado pelo Cebri, o ABC+ também se integra ao RenovAgro [Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura] dentro do Plano Safra, ampliando linhas de crédito para recuperação de pastagens e recomposição de matas nativas. “É uma oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil pode atender à demanda crescente por alimentos sem desmatar”, afirmou.
Lançado em dezembro de 2023, o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas (PNCPD) é parte da estratégia do governo federal para ampliar as metas já existentes no Plano ABC+ e dar mais escala à recuperação de pastagens degradadas — uma prioridade tanto para aumentar a produtividade, quanto para reduzir pressões sobre novos desmatamentos. Atuando com um braço operacional, seu foco é recuperar e converter 40 milhões de hectares de pastagens improdutivas em 10 anos. O programa começou a ser implementado em 2024, com a definição de regras operacionais e articulação com agentes financeiros e estados.
Tecnologia e rastreabilidade

A inovação e a tecnologia são outras frentes que se destacam na trajetória de evolução do setor. Como observou o vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Ingo Plöger, na matéria do Agrishow Digital, já há startups brasileiras utilizando Inteligência Artificial para reduzir o uso de insumos, como herbicidas, em lavouras.
Na pecuária, a rastreabilidade deve avançar com o Plano Nacional de Identificação Individual (PNIB), lançado em 2024 pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Depois de cerca de 20 anos em debate, o sistema de monitoramento passa a ter adesão obrigatória a partir de 2027, com expectativa de pleno funcionamento até 2032.
De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), embora o programa represente novos custos aos produtores, trata-se de um avanço estratégico: permitirá acompanhar cada animal desde o nascimento até o abate, atendendo às demandas globais por segurança e transparência.
Segundo a diretora global de sustentabilidade da Minerva Foods, Marta Giannichi, a rastreabilidade tornou-se um assunto muito presente para atender às exigências do mercado e dar transparência à cadeia, a exemplo da regulamentação da União Europeia – EUDR. “Se eu falo para um player grande sobre projeto de carbono — redução de emissão, aditivo para reduzir fermentação entérica, programa de engajamento para recuperar e rotacionar pasto, linha de financiamento diferenciada para o pecuarista — ele responde: ‘como vocês consideram a rastreabilidade desde o nascimento?’. Então estamos desenvolvendo esforços unificados que abordam ambas temáticas: redução de emissões e rastreabilidade nos nossos programas, como o Renove”.
O zootecnista João Paulo complementa citando os dois sistemas de rastreabilidade já existentes no País: “Nós conseguimos fazer rastreabilidade individual, que é o SISBOV – hoje não vai nenhum boi para a Europa se não estiver devidamente identificado, individualmente. E temos a rastreabilidade por lote. Tanto existe, que a gente exporta para a China”, destacou ele, enfatizando que a mudança consiste na potencialização desses sistemas em termos de alcance e rigor.
De celeiro do mundo a provedor de soluções sustentáveis
A posição consolidada do Brasil como maior exportador de carne bovina do mundo é um indicador do posicionamento de destaque no cenário internacional. De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) compilados pela Abiec, em 2024 foram exportadas 2,89 milhões de toneladas, o que representa um aumento de 26% em relação ao volume exportado no ano anterior.
No entanto, como destacou o coordenador do Insper Agro Global, Marcos Jank, no evento do Cebri, o País enfrenta um paradoxo: “somos líderes em tecnologia tropical e eficiência produtiva, mas continuamos a ser vistos sob a ótica do desmatamento e das emissões”. A heterogeneidade da cadeia — de grandes produtores altamente eficientes a pequenos com baixa capacidade de investimento — impõe desafios de governança e comunicação.
É nesse cenário, agravado pelas pressões regulatórias, como a legislação europeia de desmatamento (EUDR), que registrar avanços, comunicar resultados e mostrar evidências na COP30 tornam-se ainda mais urgentes para o agronegócio. Trata-se do palco global para apresentar evidências concretas, dar transparência às práticas e reforçar o compromisso do País com as metas globais.A COP30 pode ser o palco decisivo para essa mudança de narrativa, reposicionando o Brasil não apenas como celeiro do mundo, mas como provedor global de soluções sustentáveis para o futuro da alimentação e do clima.
Fontes de referências:
- A pecuária sustentável brasileira em destaque no Fórum Pré-COP
- Cerimônia de lançamento do Plano Safra 2025/2026
- Com Efeito Poupa-Terra, pecuária bovina brasileira cresce sem pressionar florestas
- COP 30 e Agro: Brasil como líder na agricultura tropical sustentável
- Efeito Poupa-Terra: produtividade é a chave para a sustentabilidade ambiental do agro brasileiro?
- Governança na Sustentabilidade da Cadeia da Carne Bovina
- ILPF é estratégia para reduzir emissões na agropecuária e ampliar acesso ao mercado de carbono
- O agro brasileiro na COP 30
- O papel da América do Sul na segurança alimentar e no combate às mudanças climáticas
- Programa Renove
- Rastreabilidade como diferencial: carne sustentável abre portas no mercado internacional
- Vacina que reduz até 15% das emissões de metano da digestão bovina deve chegar ao mercado entre 2027 e 2030