Muitos não sabem, mas o líquido que sai da carne comprada em açougues e supermercados não é sangue, mas mioglobina, uma proteína muscular que armazena oxigênio e dá à carne sua cor vermelha característica.
Essa substância escorre da carne crua e se mistura com água. Quando cortada ou processada, a mioglobina se mistura às fibras musculares, o que garante a suculência e consistência inerentes ao alimento. Sua concentração varia entre espécies e entre músculos do mesmo animal. Por exemplo, carnes vermelhas, como a bovina, têm altos índices da substância, enquanto carnes brancas, como frango, têm menos. De toda forma, uma vez exposta ao oxigênio, é formada a oxiemoglobina, que dá à carne uma coloração vermelho-viva. Essa tonalidade atesta a qualidade do produto.
Qual a influência nutricional da mioglobina?
Ela influencia não só o sabor e a textura, como também as propriedades nutricionais da carne. É rica em ferro heme, altamente biodisponível, o que contribui para a prevenção de doenças, como a anemia. Esse tipo de ferro é quatro a cinco vezes mais biodisponível do que o ferro não-heme encontrado em vegetais, segundo revisão científica disponível no repositório da USP.
Além de fortalecer a saúde, o ferro heme auxilia na síntese de neurotransmissores, como dopamina e serotonina. Isso faz com que a função cognitiva seja melhorada no longo prazo; convém ressaltar que a deficiência de ferro pode levar à fadiga mental, dificuldade de concentração e irritabilidade.
Embora a mioglobina em si não seja uma fonte abundante de proteína isolada, ela está presente em carnes ricas em aminoácidos essenciais. Isso favorece a manutenção e reparo dos tecidos corporais – algo especialmente importante aos que dedicam alguns minutos diários para realizar atividades físicas.
Animais mais ativos, como os bois, tendem a ter mais mioglobina. Portanto, a concentração da vitamina se mostra mais presente nesse produto.
Por que a carne encolhe ao ser preparada?
Cerca de 70% da carne é composta de água. Quando aquecidas, as fibras musculares se contraem e expulsam essa água, o que reduz o volume do alimento. Proteínas como actina e miosina se desnaturam com o calor, levando as fibras a se encurtarem. O documento “Transformação do Músculo em Carne”, publicado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica o fenômeno em detalhes.
A mioglobina se desnatura em temperaturas entre 60 °C e 70 °C – o que muda a tonalidade da carne de vermelho para marrom. Ainda que ela não cause diretamente o encolhimento, a desnaturação acompanha a perda de água, já que ela está dissolvida no fluido intracelular.
Portanto, ao pedir um corte generoso em um restaurante ou churrascaria, não é de se estranhar que o tamanho pareça menor que o esperado: o processo é natural e não pode ser totalmente evitado – apenas minimizado por meio de técnicas de preparo específicas.
Como a mioglobina ajuda o consumidor a escolher melhor na gôndola ou no açougue
A mioglobina é um pigmento presente na carne e sua interação com o oxigênio determina a coloração que o consumidor observa ao comprar um corte. Essa cor é um dos indicadores mais imediatos de frescor e conservação, e varia conforme o estado químico da mioglobina. Por isso, compreender suas diferentes formas ajuda a interpretar melhor o aspecto da carne e a distinguir situações comuns, como carnes frescas expostas ao ar, carnes embaladas a vácuo ou cortes com maior tempo de estocagem.
Existem três formas principais de mioglobina que influenciam diretamente a aparência da carne. A desoximioglobina (Mb), de cor vermelho-púrpura, predomina em carnes embaladas a vácuo, onde há ausência de oxigênio; ao abrir a embalagem, essa forma rapidamente se transforma em oximioglobina. A oximioglobina (O₂Mb), de cor vermelho-brilhante, é típica de carnes frescas expostas ao oxigênio e corresponde ao padrão esperado de frescor. Já a metamioglobina (MetMb), de cor marrom, surge em carnes com maior tempo de estocagem ou exposição prolongada ao ar, indicando oxidação.
No caso específico das carnes embaladas a vácuo, é comum que o produto apresente tom arroxeado ao ser aberto, resultado da predominância da desoximioglobina. Esse aspecto não representa risco ou deterioração, pois ao entrar em contato com o ar o pigmento reage e a carne rapidamente adquire o vermelho natural da oximioglobina. Já quando a carne apresenta tons mais escuros ou marrons, é importante observar outros fatores como odor e textura, já que a presença de metamioglobina pode sinalizar maior tempo de armazenamento, sem necessariamente significar perda imediata de qualidade.
A quantidade de mioglobina também afeta diretamente a percepção de suculência. Por isso, cortes naturalmente mais avermelhados — como dianteiros bovinos, acém ou fraldinha — tendem a reter mais líquidos quando preparados de forma adequada. Já cortes com menos mioglobina, como frango e suíno, apresentam coloração mais clara e liberam menos pigmento no descongelamento.
Outra dica importante: embalagens com acúmulo excessivo de líquido (conhecido como drip) podem indicar quebra de cadeia de frio, descongelamento prévio ou manipulação inadequada. Como a mioglobina se mistura à água do músculo, um volume anormal desse líquido é um alerta para o consumidor avaliar melhor o produto antes da compra.
Para quem busca carnes com sabor mais intenso, os músculos mais ativos — que concentram maior quantidade de mioglobina — são boas escolhas. Já para preparos rápidos, cortes com menor concentração tendem a cozinhar de maneira mais uniforme.
Fontes de referência:
Qualidade e digestibilidade da proteína da carne vermelha são maiores em relação aos vegetais, diz estudo
O que está por trás da qualidade da carne bovina?
Qual é a diferença entre consumir proteína de origens vegetal e animal, com base em fontes confiáveis?
Biodisponibilidade do ferro na alimentação: sua importância para o organismo (2009)
TRANSFORMAÇÃO DO MÚSCULO EM CARNE*